Casa Mãe

por Rosa Pires                                                          


Para alguns era apenas um local vulgar de passagem, entre o relógio apressado do trabalho e o caminho de volta a casa. Para outros um ponto de paragem, de convívio com o baralho de cartas, de troca de olhares e sorrisos. Para mim, era a Casa Mãe.
A Casa Mãe fora em tempos um dos mais belos jardins da Lisboa Vicentina, onde cada pedra de calçada guardava em si uma memória feliz. As árvores centenárias, enrugadas da idade, mantinham uma atmosfera ritmada, dançante, ao som do vento. Por baixo dos seus fortes braços, cobertos de folhas verdes e cheias de vida, encontrava-se, eleito por muitos, o lugar ideal de corte.

Desde cedo que me recordo de ficar atenta a observar os pombos aos beijinhos. Deitada no chão, de barriga para baixo e as mãos a segurar a cabeça, levava um punhado de milho, pronto a ser entusiasticamente espalhado e saltitado por qualquer pássaro que o quisesse levar. Mas sobretudo o lago dos peixes deixava-me em êxtase. Competia com o meu irmão, nessas tardes de saudosas de sol, nas corridas de formigas e na comédia de encher a boca com o máximo de gelado de chocolate. Para nós, o tempo parava. Não havia início nem fim. Mesmo quando as pernas doíam de tanto correr, inventávamos jogos parados, com outras crianças e no olhar de tantos avós que, como os nossos, ali paravam para apreciar tanta azáfama.
A Casa Mãe era local de chegada e partida, intemporal. Acolhia brincadeiras, discussões políticas, cafés e cigarros, crianças e velhos. As árvores, o lago e todos os seres que por lá passavam, eram os seus órgãos vitais, pois cada um possuía a arte de compor o todo desta Casa.
Todos os sábados prescindíamos de brinquedos e praia para ir ao jardim. Todos os dias da semana desejaríamos que fosse sábado.